JBS sob risco de lista suja: ministro do Trabalho intervém

A decisão do ministro Luiz Marinho de retirar para análise própria o processo que avalia a inclusão da unidade JBS Aves na “lista suja” do trabalho escravo quebrou o rito administrativo usual e expôs o governo a críticas de auditores e juristas. O procedimento, considerado sem precedentes em mais de duas décadas de combate federal à escravidão contemporânea, pode adiar ou até reverter a punição que envolveria o frigorífico por supostas violações envolvendo dez trabalhadores no Rio Grande do Sul.
A investigação teve origem em uma operação da Inspeção do Trabalho realizada no ano passado em Forquilhinha, onde fiscais encontraram 10 empregados contratados para carregar e descarregar mercadorias laborando em jornadas de até 16 horas diárias, sem água potável no alojamento e sujeitos a descontos salariais que dificultavam a rescisão. A contratada prestava serviço exclusivamente à planta da JBS Aves, pertencente à divisão Seara.
Após a vistoria, os auditores concluíram que a JBS falhou na devida diligência para assegurar as condições legais de trabalho, atribuindo-lhe responsabilidade solidária. O relatório final foi aprovado em 6 de agosto, etapa que normalmente leva à publicação do CNPJ infrator no cadastro nacional de empregadores que submetem pessoas a condições análogas à escravidão – a chamada “lista suja”.
Incluir o nome na lista significa restrição automática a financiamentos de bancos públicos e privados brasileiros, além de forte desgaste reputacional. Pela regra, a empresa permanece na relação por dois anos. Para conglomerados de grande porte, o impacto financeiro pode ser expressivo, já que parceiros comerciais utilizam o documento para filtrar fornecedores.
Em nota enviada quando as acusações vieram à tona, a JBS declarou ter rescindido imediatamente o contrato com a terceirizada, bloqueado novos serviços e reforçado políticas de “tolerância zero” a violações trabalhistas. O frigorífico acrescentou que colabora com as autoridades e realiza auditorias em sua cadeia produtiva.
Mesmo com a posição dos fiscais, a Advocacia-Geral da União produziu parecer defendendo que o ministro poderia avocar o processo “diante da relevância econômica” da companhia. A JBS emprega cerca de 158 mil pessoas no Brasil e, apenas entre abril e junho, a divisão Seara registrou receita líquida de US$ 2,2 bilhões, valor equivalente a aproximadamente 10 % do faturamento consolidado.
Na segunda-feira, Marinho assinou despacho transferindo o caso para seu gabinete. Auditores consultados pela reportagem classificaram a intervenção como “profundamente preocupante”, alegando que abre brecha para pressões políticas em processos historicamente técnicos. A professora Livia Miraglia, da Universidade Federal de Minas Gerais, alerta que a medida pode incentivar outras empresas a pleitearem revisões ministeriais em situações semelhantes.
Questionados, o Ministério do Trabalho informou apenas que o processo segue em curso e que os recursos apresentados pela JBS continuam em análise interna. A AGU não respondeu aos pedidos de comentário sobre o teor do parecer que respaldou a excepcionalidade.
Especialistas ressaltam que o Brasil construiu, desde 2003, um modelo reconhecido internacionalmente de combate ao trabalho escravo, baseado na autonomia dos auditores e em decisões colegiadas. Qualquer alteração nesse sistema, frisam, tende a ser observada de perto por organismos de direitos humanos e por investidores que exigem cadeias produtivas livres de violações.
Enquanto a revisão não é concluída, a expectativa é de que a atualização semestral da lista – prevista para outubro – possa ser adiada ou publicada sem o nome da JBS Aves. Caso a exclusão se confirme, sindicatos e organizações civis avaliam recorrer à Justiça para restaurar a decisão original dos fiscais.
Crédito Foto: REUTERS/Amanda Perobelli
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